quinta-feira, 29 de março de 2012

Homenino*

Não sei dizer quando nem onde me tornei Ni Brisant. Conta-se que num 22 de dezembro dum 85 escaldante, mesmo sentindo as terríveis dores do parto, uma certa Maria caminhou 10 quilômetros para dar luz e sentido a Nivaldo Brito dos Santos, um tal eu.
Quinto filho de seis, cresci no Barreiro, um povoado com menos de cem moradores, sem energia elétrica, igrejas, puteiros ou qualquer outro símbolo da nossa civilização. Um lugar com homens que cobriam irmãs e animais (não necessariamente nessa ordem) e viravam lobisomens na quaresma, fazendeiros que faziam pacto com o diabo e davam almas e dentes em troca de gado e terra – daí a moda entre os ricos de combinar a dureza de coração com o ouro da dentadura.
A infância passou ligeira, sem que eu pudesse guardar na memória nenhum fato extraordinário, além da morte do velho Zé de Chica, cujo velório teve muita bebida e nenhuma lágrima.
Guardei também a lembrança da primeira vez que tomei água gelada, daquele domingo em que assassinaram a minha galinha de estimação e serviram seu cadáver com arroz e farinha de mandioca; por fim, não esqueci das vezes em que fiquei internado para tratar minha anemia e, por gostar tanto da vida no hospital, não quis mais voltar para casa.
Já a entrada na escola veio acompanhada de uns eventos que o meu corpo ainda não conseguiu superar totalmente: meu coração chorou o divórcio de meus pais, minhas mãos e pernas foram marcadas pela palmatória do professor Pedro José e, minha alma – não sem sofrimento – aprendeu a decifrar livros. E a palavra se tornou minha pátria, arte e coração.
A palavra me salvou!

(CONTINUA)
* Texto também publicado no site Acajutiba News.

2 comentários:

  1. Certa vez, no jantar, minha mãe também se satisfez com seu pato, o que talvez tenha sido seu maior trauma. Hoje pensei, hospital não é casa de menino! Mas as dificuldades alheias devem ser admiradas e não criticadas, cada história é única e verdadeira. Run, quer dizer, pedale...

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